Os cenários políticos e a economia
Ao desfrutar de aprovação popular de apenas 10%, resultado da agregação dos conceitos ótimo e bom, na avaliação do governo, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, referente ao mês de março de 2016, a administração da presidente Dilma Rousseff exibe o pior desempenho da história republicana, suplantando inclusive a marca sofrível apresentada por Fernando Collor, na véspera da instauração do impeachment, pelo Congresso Nacional, em agosto de 1992.
A combinação entre o esforço criterioso de derrubada dos fundamentos da macroeconomia, realizado desde 2008; o descumprimento dos compromissos acordados durante a campanha eleitoral de 2014; a intensificação do ciclo recessivo de maior profundidade, longevidade e inutilidade, já vivido pelo País; em paralelo à rápida e progressiva deterioração das finanças públicas e o, cada vez mais evidente, envolvimento oficial na dilapidação dos ingressos financeiros das principais estatais, está na raiz da acentuada e irreversível fragilização dos pilares sociais e políticos da mandatária da nação.
Em tais circunstâncias, sintetizadas no insuficiente apoio popular e parlamentar, pareceria razoável esperar e torcer pela escolha do caminho menos custoso e dramático para o tecido social, englobando a renúncia da presidente, seguida da preparação de novas eleições.
Contudo, a chefe de estado não apenas é desprovida de atributos de grandeza exigidos para esse tipo de decisão, como ainda persegue, de forma cada vez menos organizada e mais desesperada, a salvação formal do mandato até o final de 2018. Só que a gerência está definitivamente perdida, especialmente depois de Dilma ter promovido o ex-presidente Lula a Ministro da Casa Civil. Ao ser, na prática, expulsa de seu próprio governo, a presidente passou a ser governada.
Para sobreviver, Dilma necessita desmontar as bases do impeachment, no legislativo, e da cassação, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se aquela casa identificar, julgar e sentenciar a efetivação de crime nas eleições de 2014, atestado pela utilização de haveres desviados da Petrobrás para a cobertura dos dispêndios associados à campanha de reeleição.
O núcleo da estratégia repousa nas tarefas de superação da paralisia governamental e recuperação da capacidade de articulação política do executivo, com as demais instâncias de poder, a ser executada pelo ex-presidente Lula, na Casa Civil (ou presidência de fato), que, por derivação seria contemplado com acompanhamento em pavimentos judiciais superiores, nas investigações, e em eventual julgamento, por ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro.
Em se confirmando essas pressuposições, soaria lícito admitir a multiplicação de pressões para o retorno da aplicação das medidas populistas que destruíram a estabilidade macroeconômica, por meio do incisivo e permanente desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e o uso abusivo dos bancos e empresas públicas, e o abandono das reformas institucionais, manifestadas no Programa Nacional de Emergência, aprovado pelo diretório nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), em 28.02.2016. Trata-se do cenário “receita do caos” ou “lulinha forever”, encarregado de minar, até 2018, as derradeiras defesas do verdadeiro “castelo de areia” em que foi transformada a economia brasileira.
De seu turno, uma possível cassação da chapa eleita em 2014, pelo TSE, se ocorrer até 31.12.2016, prevê a feitura de novas eleições, ou, se acontecer depois que for completada a metade do mandato, exige definições indiretas, via Congresso Nacional. Nas duas vertentes, o presidente da Câmara, primeiro ente da linha sucessória, assumirá o cargo de presidente da república, por 90 dias.
A primeira situação engloba um amplo leque de ofertas de opções de orientações econômicas para escrutínio da população, centrado, prioritariamente, na reconstrução dos alicerces da estabilidade fiscal. Já a segunda possibilidade sugere flancos imponderáveis para perigosos acertos e alinhamentos, na parte da cima do legislativo brasileiro, de cunho extremamente conservadores, na melhor das hipóteses.
Alternativamente, o cenário de impeachment, se aberto pela Câmara dos Deputados e referendado pelo Senado da República, por maioria simples, exigirá o afastamento da presidente, por 180 dias, tempo de tramitação e julgamento do processo na primeira casa. Por certo, a substituição da presidente pelo vice, inicialmente em exercício e posteriormente em definitivo, configuraria o desenho institucional de um novo governo.
Com isso, caberia ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), capitaneado por Michel Temer, a realização de um complexo arranjo político – no afã de repetir Itamar Franco em 1992 – englobando correntes de oposição com posturas e propostas bastante heterogêneas, na direção da revisão, discussão, aprofundamento e implementação das proposições contidas no documento “Uma Ponte para o Futuro”, aprovado pela sigla, em outubro de 2015, e veiculando um “compromisso com o bom senso administrativo e a reponsabilidade fiscal”.
Nesse caso, emergem dois inconvenientes. O primeiro deles é que, ao contrário de Itamar, que dispunha de densidade política e havia cumprido, com funções meramente acessórias, apenas dois anos e meio da desastrosa gestão Collor, Temer e o PMDB estão umbilicalmente ligados ao dueto Lula e Dilma, desde os primórdios, o que compromete o restabelecimento da confiança. A segunda restrição abarca a premência de incorporação, nas discussões e negociações, dos membros do atual Congresso Nacional que expressa abalos de credibilidade semelhantes aos do executivo.
Não obstante, a preferência por um caminho, pós-troca no Planalto, sinalizado com propósitos de restauração do equilíbrio das contas públicas, de contenção das pressões inflacionárias e de formulação, aprovação e execução de modificações estruturais capazes de conferir um redesenho do Estado, com maior racionalidade de funcionamento, e impulsionar a eficiência da microeconomia, ainda que com maturação a médio e longo prazo, poderia engendrar a reversão do desânimo dos atores sociais e o resgate do interesse coletivo na estruturação de um projeto de nação.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, professor da FAE Business School, ex-presidente do Ipardes.