A fadiga da alavanca do crédito

Gilmar Mendes Lourenço.
Gilmar Mendes Lourenço.

Em um panorama de exacerbação das incertezas, determinado pela absoluta falta de nitidez acerca da evolução da matriz política, as apurações do Banco Central (BC), relativas ao saldo de transações de crédito realizadas pelas instituições financeiras no Brasil, neste princípio de 2016, demonstram flagrante enfraquecimento do principal elemento de propulsão da economia nacional desde o final de 2008.

Convém lembrar aqui que, naquela ocasião, no afã de abrandar ou até neutralizar o contágio da crise financeira internacional no ambiente doméstico, as autoridades brasileiras optaram pela deflagração de estímulos às operações de consumo das famílias, via renúncias tributárias e ampliação da concessão de empréstimos acompanhada do alongamento dos prazos de financiamento. Tanto é assim que o montante de crédito em relação ao produto interno bruto (PIB) saltou de 35,5%, em janeiro de 2008, para 53,6%, em fevereiro de 2016.

De acordo com o BC, neste mês, o volume de crédito desembolsado pelos bancos declinou -16,0%, em comparação com o mesmo mês de 2015, já descontada a inflação, e -4,6% em doze meses, evidenciando o delineamento de situação de colapso no mercado de haveres financeiros, público e privado, para pessoas físicas e jurídicas, em face, fundamentalmente, do aprofundamento da recessão.

A retração da alocação e utilização de crédito revelou-se mais acentuada nas modalidades direcionadas, como as atreladas ao sistema financeiro da habitação (SFH), incluindo as linhas populares subsidiadas para bancar a aquisição da casa própria – operadas predominantemente com fundos provenientes das cadernetas de poupança -, aos aportes do BNDES e ao crédito rural. O clima deverá piorar com a recente decisão da Caixa Econômica Federal (CEF) de majoração dos juros do crédito imobiliário.

Em paralelo, as taxas de juros cobradas pelas entidades intensificaram a rota ascendente, alcançado média de 68,0% ao ano e 31,9% a.a. para consumidores e empresas, respectivamente, ante 54,3% a.a. e 26,1% a.a., respectivamente, em fevereiro de 2015.

A subida dos encargos reflete principalmente a contração da oferta, por parte das instituições, fruto da combinação entre impulsão da inadimplência dos tomadores e elevação da demanda por rolagem da dívida do governo, ancorada em títulos, o que, inclusive, vem multiplicando os ganhos de tesouraria auferidos notadamente pelos grandes bancos. O passivo em papéis mobiliários do governo, em carteira, atingiu quase R$ 2,7 trilhões, em fevereiro de 2016, correspondendo a 45,1% do PIB.

Igualmente relevante para a constituição da marcha cadente de disponibilidade de crédito tem sido o encurtamento das necessidades de capital de giro das empresas, derivado dos ajustes promovidos para enfrentamento da etapa desfavorável, marcada por decréscimo das quantidades vendidas e produzidas e pela busca de diminuição de custos com estoques e acertos com fornecedores, sobretudo aqueles referentes a prazos de pagamentos. No entanto, tal estratégia vem perdendo fôlego com a generalização e intensificação do cenário recessivo.

A título de ilustração, a produção industrial e o volume de vendas do comércio vêm decrescendo a taxas próximas de -10,0% ao ano, o faturamento real de serviços recuou quase -4,0% em doze meses, e o nível de emprego e de salários reais médios do setor fabril experimentaram contração anual ao redor de -7,0% e -2,0%, respectivamente. Por conta desse retrato negativo, como demonstra inquérito da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao registrar 37,4 pontos (em uma escala de zero a cem), a confiança do empresário seria a terceira pior da série começada em 2012.

Não por acaso, o desemprego metropolitano situa-se em 8,0% da população economicamente ativa (PEA), e a desocupação total aproxima-se de 10,0% da PEA, segundo apurações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo havido o fechamento líquido de 1,7 milhão de postos de emprego formais, no ano findo em fevereiro de 2016. A remuneração média dos trabalhadores vem encolhendo, em base anual, em ritmo superior a -7,0%, no espaço das metrópoles, e -2,5%, para o total do País.

Por essa atmosfera, não surpreendem os resultados de pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), apontando agravamento do endividamento e inadimplência das famílias. Em março de 2016, 60,3% dos brasileiros possuíam algum tipo de dívida, 23,5% acusavam atraso superior a 60 dias nos pagamentos das prestações, e 8,3% informavam não terem condições de quitação dos débitos, contra 59,6%, 17,9% e 6,2%, respectivamente, em março de 2015.

O mais preocupante, porém, é que 77,3% dos consumidores possuem contas a pagar no cartão de crédito, que cobrava, em fevereiro de 2016, juros médios de 447,5% a.a., no rotativo, versus 342,7% a.a., em igual mês de 2015. Mesmo as taxas das modalidades em consignação pularam de 26,8% a.a. para 29,5% a.a., no período em tela. Assim, pesquisa da CNC revela que o índice de confiança do consumidor caiu a 77,5 pontos (em uma faixa de variação entre de zero e duzentos), em março deste ano, o que representa o menor score da série levantada desde janeiro de 2010Como se vê, em um ambiente de apreensão das famílias, motivada pela queda da renda real, decorrente da conjugação entre a fragilização do mercado de trabalho e da escalada inflacionária, e o temor do fantasma do desemprego, e de quebra da confiança empresarial, parece razoável supor a reduzida probabilidade de recolocação do crédito bancário como protagonista da desejada recuperação da economia brasileira, em médio prazo.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, professor da FAE Business School, ex-presidente do IPARDES.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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