O melancólico encerramento do Governo Dilma
Na semana de debates voltados à decisão de aceitação (ou não) do processo de impedimento da presidente da república, pela câmara dos deputados, e encaminhamento ao senado, a sociedade brasileira vem assistindo a intensificação dos esforços de convencimento, empreendidos pelo executivo junto ao legislativo, na tentativa de salvação do mandato de Dilma Rousseff e preservação até o final de 2018.
Observam-se negociações de permuta de votos contrários ao impeachment, abstenções ou mesmo ausência de parlamentares na data da definição, por ocupação de cargos, em caso de continuidade da atual administração do palácio do planalto, acrescida de um coquetel nada desprezível de generosidades, na forma de emendas ao orçamento e retorno de práticas econômicas de inclinação populista.
Partindo da hipótese de êxito daquelas tratativas e de a mandatária continuar ocupando formalmente o posto de chefe de estado, parece razoável argumentar o delineamento de mais um conjunto de promessas a ser descumprido, de modo semelhante ao acontecido em 2015, quando os diagnósticos proferidos e os compromissos assumidos nos palanques, no ciclo eleitoral de 2014 foram, respectivamente, alterados e abandonados.
Isso porque, de um lado, pela lógica econômica, que, aliás, nem sempre prevalece, inexiste qualquer espaço orçamentário para a ressureição das estripulias fiscais e tributárias cometidas entre 2008 e 2015. De outro, no terreno político, não há sustentação consistente do governo no congresso, que propicie a aprovação de qualquer item relevante das reformas institucionais, evento que deve ser agravado pelas incertezas subjacentes à evolução e aos desdobramentos do pleito municipal de 2016, referência para a preparação das trincheiras e arregimentação dos arsenais para as eleições de 2018.
O pior é que o déficit de amparo político e popular, exceto aquele manifestado compulsoriamente por alguns movimentos sociais, representa o maior obstáculo à restauração da consistência macroeconômica – por meio de realismo cambial, controle da inflação e regresso da responsabilidade fiscal -, indispensável à reversão do clima de desconfiança, reinante na microeconomia, esfacelada durante anos de intervencionismo, pautado em retórica e ações concebidas a partir do pressuposto de que o estado pode tudo, desde que seja para proteger os pobres e oprimidos da exploração secular das elites.
Por essa linha de apego, emergiu a justificativa de aparelhamento partidário das principais estatais, produtivas e financeiras, e dos respectivos fundos de pensão, estes últimos com ramificações em empreendimentos nebulosos – tendo como exemplos a usina de Belo Monte e a Sete Brasil, construtora de sondas para o pré-sal, nascidos para o registro de prejuízos eternos ou falência, respectivamente -, em detrimento do aprofundamento da adoção de contemporâneos procedimentos de gestão organizacional.
Em meio ao fracasso dos leilões de infraestrutura, em consequência do imbróglio regulatório e da imposição de controle oficial na rentabilidade das concessões, passou a predominar a proliferação do superfaturamento de contratos de obras e operações patrimoniais, fruto de relações promíscuas entre membros da aliança hegemônica de poder e grandes corporações, destinadas ao levantamento de recursos para a cobertura das demandas financeiras das campanhas eleitorais.
Pela ótica social, o represamento dos reajustes dos preços dos combustíveis, desconectado da trajetória ascendente das cotações internacionais do petróleo, junto com a redução não negociada das tarifas de energia elétrica, assegurou de modo artificial, as circunstâncias favoráveis à perenização do boom de consumo, vitaminado ainda por crédito público abundante e subsidiado e renúncias de impostos.
Logo, não foram acidentais os espetáculos de desorganização, descapitalização, endividamento e engavetamento de planos de expansão do setor elétrico e desmonte da cadeia produtiva ligada à Petrobras e do segmento de biocombustíveis. Mais especificamente, a transformação da estatal de petróleo na empresa não financeira de capital aberto mais endividada do planeta tem raízes em opções por projetos inviáveis, como as refinarias Abreu Lima, em Pernambuco, e o polo petroquímico do Rio, para os quais havia estudos internos à companhia, identificando taxas retorno inferiores às inversões de capital.
A ruina também derivou de incursões aventureiras, como a compra de Pasadena, nos Estados Unidos, por valores que suplantaram, com larga margem, aqueles resultantes dos critérios mais elementares de avaliação de ativos, além da preferência deliberada pela impulsão de custos, através do programa de aquisição de insumos e componentes nacionais a preços bastante superiores aos verificados na fronteira internacional.
Não surpreende o fato de a participação da indústria de transformação – segmento nobre de qualquer aparelho de negócios, em virtude dos enormes efeitos irradiadores dinâmicos para frente e para trás, por ele proporcionados – na geração do produto interno bruto (PIB) brasileiro, ter experimentado substancial declínio em pouco mais de uma década, passando de 17,8%, em 2004, para 11,4%, em 2015, contra avanço da fatia dos serviços de 65,8% para 72,0%, no mesmo intervalo.
Decerto, os exercícios de prospecção do tempo e das prováveis feições econômicas de encerramento do governo Dilma constituem meras atividades de futurologia, ainda que cimentados em pilares técnicos. Porém, é lícito argumentar que a herança de destroços assumirá dimensões e componentes sem precedentes na história da república brasileira.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, Economista, Consultor, Professor da FAE Business School, Ex-Presidente do IPARDES.
Excelente análise do professor !!!