Radares econômicos de fora do Brasil: quem mandou você errar
Os radares internacionais, instalados junto aos meios especializados e formadores de opinião, não têm sido nada generosos na identificação de imagens e sinais acerca da conjuntura e dos horizontes de curto e médio prazo da economia brasileira, no ano de 2015. Na sequência da acomodação em um pântano, conferida pela revista inglesa The Economist, o periódico americano The New York Times destacou a transformação da voz do País em mero sussurro sob a administração de Dilma Rousseff, e o jornal britânico Financial Times colocou em dúvida a capacidade de, mesmo com o fortalecimento do poder judiciário, as instituições nacionais operarem situações complexas.
Em todas as avaliações, prevalecem prospecções de piora do quadro recessivo em 2015, alargando o hiato temporal entre o presente precário e o futuro desejado pela sociedade, em contraste com o comportamento de algumas nações emergentes, e inclusive algumas sul-americanas, como Peru, Chile e Colômbia, que aproveitaram a farra das commodities agrícolas, minerais e metálicas, verificada entre 2004 e 2012, para reforçar os fundamentos fiscais das estratégias de desenvolvimento.
No Brasil, a orientação macroeconômica equivocada, predominante entre 2009 e 2014, agravada pela multiplicação de falhas gerenciais na Petrobrás, campo fértil para a proliferação da corrupção, pela disseminação e ampliação de amplitude das manifestações de repúdio ao governo, culminado em vertiginosa queda de aprovação popular, e pela depreciação de real em patamares quase 50% superiores ao da valorização do dólar, em escala global, nos últimos doze meses, forneceu combustível para a contração dos negócios e a aceleração da inflação, mesmo desprovida das catapultas inerciais dos anos 1980 e começo dos 1990.
Ao mesmo tempo, análises do Banco de Compensações Internacionais (BIS) sublinham a condição de vulnerabilidade dos mercados em desenvolvimento beneficiados pela impulsão das finanças, pós-default de 2008, por conta da disponibilidade de cerca de US$ 2,4 trilhões, em bônus soberanos emitidos por Estados Unidos (EUA), nações europeias e Japão, com remuneração real negativa.
No que diz respeito ao Brasil, a advertência do BIS repousa na elevação da magnitude dos fluxos de crédito e na influência da enorme subida do custo de rolagem dos passivos governamentais, a despeito da reconhecida solidez do sistema financeiro atuante em território nacional, edificada depois do fim do imposto inflacionário, com a edição do plano real, em julho de 1994, e da aplicação de terapias de socorro às instituições, via Proer e Proes, que resultaram em processos de incorporações, otimizando as escalas de transações.
De acordo com a entidade internacional, o estoque de crédito em relação ao produto interno bruto (PIB) brasileiro, estimado em 58,5%, pelo Banco Central, para janeiro de 2015, estaria quase 12% superior ao padrão histórico de longo termo, enquanto os juros básicos, que referenciam a rolagem da dívida pública, que pularam de 7,25% ao ano, em março de 2013, para 12,75% a.a., em março de 2015, marcham 6,5% acima das médias históricas.
A situação tornou-se menos desconfortável com a deliberação do Fomc (Comitê de Política Monetária), do Federal Reserve (Fed), de retardar a deflagração de medidas de austeridade monetária nos EUA, em face do caráter ainda pouco preciso do vigor, limites e alcance da recuperação econômica em curso, sintetizada em expansão anualizada de mais de 3% do PIB, desemprego e vendas externas em rota cadente e importações ascendentes.
Com déficits comerciais próximos de 1,5% do PIB, ocasionados pelo fortalecimento do dólar (provocado também pelas especulações a respeito de majoração imediata dos juros e demanda por dólares em montantes comparáveis apenas ao decênio de 1980), parece pouco provável qualquer alteração para cima da inflação americana, que gravitando na casa de 1,3% a.a., bastante aquém da meta de 2% a.a., tida como uma das bússolas para a ascensão dos juros.
Contudo a decisão do Fed não deve amainar a postura defensiva dos bancos na concessão de empréstimos a companhias brasileiras, por conta, em um panorama de apreciação do dólar diante das outras moedas, da apuração de um buraco de mais de US$ 90 bilhões nas transações correntes do balanço de pagamentos, em doze meses até janeiro de 2015, equivalente a 4,2% do PIB, não compensado com a entrada líquida de investimentos estrangeiros diretos (2,8% do PIB).
Embora poupado pelo BIS da pecha de ambiente de perigo de eclosão de bolha imobiliária – diagnóstico absolutamente correto, diga-se de passagem -, o Brasil não escapou de observar a presença das empresas da cadeia de petróleo e gás no elenco daquelas excessivamente endividadas – que registrou incremento de mais de 25% a.a., no intervalo 2006-2014, na rubrica capital de terceiros nos balanços -, especialmente com o declínio estrutural das cotações mundiais do óleo, a partir, primordialmente, do exercício do protagonismo norte americano com a exploração do xisto.
Como se vê, não há refresco. Em economia, não existe almoço grátis. Em meio a um quadro perverso, que combina retração econômica e crise de governabilidade, o maior já denotado em um começo de gestão, a política econômica do governo Dilma não recebe qualquer amparo ou afago do clima externo. Mas como na bela canção de Cláudia Barroso: “quem mandou você errar”. Ou na provável visão do ex-presidente Lula, na mesma balada da famosa cantora: “você mudou demais, você não era assim”.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, economista, professor e coordenador da Revista Vitrine da Conjuntura da FAE Centro Universitário.