Estagflação e Multidões
As manifestações contra o governo da presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT), acontecidas em 13 de março de 2016, nas principais cidades do País, as maiores já observadas na história brasileira, reproduziram a autêntica exaustão social ante o atraso econômico, a escalada inflacionária e a pauperização política.
De fato, parcela expressiva da sociedade, capitaneada por segmentos médios da pirâmide, que ostentam a capacidade de maximização da formação de opinião, estimulados pela proliferação de notícias ruins e recados de desesperança, emanados predominantemente de diversificadas mídias, vem demonstrando, de maneira reiterada, crescentes sinais de perplexidade e indignação.
Até porque, não pareceria razoável esperar a perpetuação de posturas passivas diante da perversa combinação entre o maior – e mais longevo – ciclo recessivo vivido pela nação e a multiplicação de descobertas de casos de corrupção (sistêmica e não circunstancial), envolvendo o comprometimento dos fluxos financeiros das empresas estatais, em favor de grandes empreiteiras, e o amparo às campanhas eleitorais, notadamente do grupo instalado no poder central.
No entanto, mesmo com a ênfase conferida pelos meios especializados à pronunciada interferência dos enormes embaraços de natureza política, na orquestração e viabilização das adesões e presenças nas praças e ruas, é interessante argumentar que os protestos contra a administração Dilma não conseguiriam arregimentar multidões não fosse o aprofundamento da marcha contracionista, experimentado pela produção e pelos negócios.
Inquestionavelmente, os movimentos enfeixam o fenômeno de fortalecimento da fração institucional ancorada no Ministério Público e na Polícia Federal, em paralelo à deterioração da credibilidade das instâncias do executivo e legislativo, por conta da emergência de laços promíscuos estabelecidos com um pedaço nada desprezível da comunidade empresarial.
Os episódios também traduzem o surgimento organizado de classes de pessoas sedentas de participação, representadas, sobretudo, por jovens que não tiveram a oportunidade de integrar a luta pelo retorno da democracia e pelo resgate da estabilidade monetária e foram privados do acesso a práticas e costumes políticos diferentes daqueles impostos pela aliança que conduz, de maneira hegemônica, os destinos do País, desde 2003, capitaneada por Lula, que, acuado pelas recentes investigações, substituiu o uniforme “paz e amor” pelo “retorno da jararaca”.
Porém, convém recordar que tais eventos já integravam o cotidiano do tecido social em 2014 e, mesmo, assim, a população votante conferiu um novo mandato à presidente da república, ainda que ludibriada pelo fascínio da continuidade do panorama de pleno emprego, com inclusão e mobilidade social, transmitido pela propaganda eleitoral e/ou governamental, e localizado apenas na “ilha da fantasia” do Palácio do Planalto.
A retórica triunfalista foi plenamente absorvida por pouco mais de 33% do volume potencial de eleitores, que sufragaram a candidata Dilma. Pouco menos de 33% do total preferiram depositar a espinhosa tarefa de consertos, dos estragos produzidos desde 2008, nas mãos do representante das oposições, e 33% abdicaram de protagonizar o ato de escolha de um lado.
Vencido o pleito eleitoral, o executivo promoveu uma guinada na retórica desenvolvimentista, acenou com o descumprimento dos compromissos de avanços sociais assumidos durante a campanha e começou a empregar instrumentos ortodoxos de arrumação macroeconômica, centrados no ajuste fiscal (promessas de redução de gastos e aumento de impostos), na elevação dos juros e nos reajustes dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica e transportes públicos), represados durante mais de quatro anos de intervencionismo populista.
A ausência de êxito no convencimento do próprio interior governo, acerca da urgência e inevitabilidade de implementação de um programa de racionalização dos gastos públicos, e nas negociações com o Congresso Nacional, para a aprovação de medidas econômicas mais austeras, e a efervescência do processo de apuração da operação Lava Jato, marcada por um festival de prisões e delações premiadas, serviram para corroer o escasso capital político disponível no começo do segundo mandado, atingindo em cheio o ex-presidente, e mergulhar a nação em uma retração econômica sem precedentes.
Se forem agrupadas as quedas experimentadas pelo produto interno bruto (PIB) do País, entre abril e dezembro de 2014, e em 2015, de -2,6% e -3,8%, respectivamente, com o declínio de -3,54%, previsto pela pesquisa Focus, do Banco Central, para 2016, a contração econômica alcançará -9,6%, em dois anos e nove meses, sem fazer sequer cócegas na inflação, delineando os contornos da estagflação.
As estatísticas correntes do começo do exercício corroboram essas pressuposições ao indicarem decréscimo superior a -9% do volume de vendas do comércio varejista e da produção industrial, em doze meses, desemprego superior a 9% da população economicamente ativa (PEA), saques líquidos recordes das cadernetas de poupança e quantidade inédita de pedidos de liquidação judicial de empresa.
Nesse contexto, se a falta de ética, seriedade e transparência na gestão dos recursos públicos resultam em graves ferimentos, a recessão e a inflação matam ao provocarem o despertar do sonho da eliminação da pobreza e a constatação do pesadelo (ou calvário) de mais uma década desperdiçada.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é Economista e Professor da FAE Business School.