Perda de grau de investimento: a culpa é nossa, não deles

Gilmar Mendes Lourenço.
Gilmar Mendes Lourenço.

Em 30 de abril de 2008, a agência internacional de classificação de risco Standard & Poor´s, concedia ao Brasil o selo de grau de investimento da dívida soberana, como uma espécie de prêmio à condução conservadora da política econômica, na direção da consolidação dos fundamentos fiscais da estabilização. Na mesma balada, em maio de 2008 e setembro de 2009, as entidades Fitch e Moody´s, respectivamente, conferira semelhante comenda ao País.

Naquela época, a nação contabilizava déficit público nominal (incluindo o pagamento dos encargos incidentes sobre a dívida líquida do setor público) equivalente a 2% do produto interno bruto (PIB), superávit primário de quase 4% do PIB, passivo governamental bruto de 56,0% do PIB e saldos comerciais anuais próximos de US$ 30,0 bilhões.

Essencialmente, a nação tirava proveito da maturação de um conjunto de mudanças institucionais, plantado na década de 1990, especialmente durante os mandatos dos presidentes Itamar Franco de Fernando Henrique Cardoso; da continuidade das estratégias macroeconômicas ortodoxas, por parte da administração Lula, herdadas de seu antecessor; e do bônus externo, representado pelo maior ciclo de expansão da economia mundial desde a segunda guerra, capitaneado pela China e impulsionando as cotações das commodities minerais, metálicas e alimentares.

Igualmente relevante foi o fortalecimento do mercado interno brasileiro, principalmente a partir de 2005, quando, para disfarçar os arranhões políticos provocados pelo Mensalão, o governo instituiu o crédito consignado e a política de valorização do salário mínimo que, ao lado da ampliação da abrangência dos programas oficiais de transferência de renda, oportunizaram a multiplicação da formalização do mercado de trabalho.

Com isso, as organizações públicas e privadas atuantes no País passaram a ter acesso a aportes de financiamento de linhas externas mais nobres e baratas, que correspondem a cerca de ¾ dos haveres para empréstimos no planeta. Ao mesmo, desapareceram as amarras estatuárias que impediam a captação de recursos de fundos institucionais atuantes em escala global.

Contudo, a partir da eclosão da crise financeira mundial, no segundo semestre de 2008, e, mais especificamente da reação ofensiva à sua penetração no ambiente doméstico, o governo brasileiro foi, de maneira gradativa, meticulosa, incompetente e irresponsável, preparando o terreno para a perda daquela honraria ou vantagem competitiva, em clima de acirramento da concorrência por capitais no mercado mundial.

Mais precisamente, as autoridades palacianas acionaram e preservaram, mesmo depois da superação da instabilidade, um arsenal de instrumentos anticíclicos, priorizando a desenfreada elevação do consumo (público e privado) em detrimento do investimento em ampliação e modernização da capacidade produtiva das firmas e recuperação da competitividade da infraestrutura.

Com suporte irrestrito dos bancos públicos e do orçamento da União promoveu-se uma autêntica farra de crédito subsidiado, de renúncias de impostos e de indisciplina fiscal, como se o Estado fosse desprovido de limites fiscais e financeiros e dispensado da necessária transparência no emprego dos recursos retirados dos demais agentes sociais pela via tributária.

Não bastasse esse pecado, o afloramento do intervencionismo populista em variáveis consideradas estratégicas para o combate à inflação, como câmbio e preços administrados (tarifas públicas e combustíveis), desarranjou a microeconomia e afetou negativamente o desempenho da indústria, prejudicada notadamente pela concorrência dos importados, das exportações e dos segmentos elétrico e petrolífero, este último servindo inclusive de plataforma para os equívocos sentimentalistas do pré-sal e os desvios de enormes quantias de recursos para a cobertura dos requerimentos eleitorais dos “pais” do modelo em vigor.

A bomba relógio de efeito retardado estourou em 2015 quando, uma vez vencidas as eleições, amparado em propostas de cumprimento impossível, o executivo, em segundo (ou quarto) mandato, percebeu estar absolutamente perdido, e ativou medidas confusas e contraditórias destinadas à viabilização do regresso do equilíbrio das finanças e da retomada do crescimento, em um contexto de erosão de credibilidade, intensificação da recessão e descontrole inflacionário, iniciada no segundo trimestre de 2014.

Ao tentar curar “ferida braba” com o simples uso de esparadrapos, o governo produziu farta munição para os disparos desferidos pelas agências de classificação. Com déficit primário e nominal de -1,9% e -10,3% do PIB, respectivamente, e passivo bruto de 66% do PIB, devendo chegar a 80% do PIB, em menos de três anos, o Brasil foi retirado da segunda divisão do crédito externo e acomodado na terceira, por enquanto.

As decisões de rebaixamento à condição de risco de calote da dívida, tomadas pela Standard & Poor´s, em julho de 2015, Fitch, em dezembro de 2015, e Moody´s, em fevereiro de 2016, apenas confirmam a péssima imagem do País junto ao mercado financeiro internacional. Mas a culpa é nossa, não deles.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, Economista, Consultor, Professor da FAE Business School, Ex-Presidente do IPARDES.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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