A estratégia econômica do governo interino

Uma das características básicas da equipe econômica do presidente interino, Michel Temer, repousa na combinação entre reduzido grau de academicismo, pronunciado pragmatismo e plena aderência à evolução do ciclo político. Pelo conjunto de objetivos e intenções para a área, anunciado em 24 de Maio de 2016, percebe-se que mesmo com enormes chances de contribuir para a recuperação da confiança e previsibilidade dos agentes, o emprego inicial dessa marca revelou parcialidade e deixou lacunas nada desprezíveis.
É necessário reconhecer que, apesar de diferir da regra estabelecida no elenco de instrumentos corretivos convencionais, rico em providências imediatas, o bloco de ideias divulgado contém, implicitamente, o diagnóstico da fragilidade fiscal e financeira do setor público, como principal causa dos descalabros apresentados pelo País, desde o final do governo Lula, e maior obstáculo à retomada do crescimento e à geração de empregos.
A contabilidade das finanças governamentais, no conceito primário, deve registrar um déficit equivalente a -2,8% do produto interno bruto (PIB), segundo a meta fiscal, revista e chancelada pelo Congresso, contra superávit de 2,8% do PIB, em 2010. No cálculo nominal, que inclui os juros da dívida, o desequilíbrio deverá superar os -9% do PIB, no corrente ano, versus -2,6% do PIB, em 2010. Já o passivo líquido do setor público, passou de 38% do PIB, em 2010, para 42,2% do PIB, em 2016.
Na verdade, o conteúdo bastante genérico do plano anunciado reproduz os efeitos dos embaraços observados na composição do grupo de ministros e a necessidade de acomodação de interesses, subjacentes à diminuição do número de pastas, surgidos no interior do novo governo e fora dele, tendo como exemplo patético e prático a extinção e recriação do ministério da cultura.
A hesitação e o recuo decorreram da revolta, protagonizada por uma parcela de atores, músicos e cineastas, avessos ao uso de procedimentos contemporâneos de administração financeira na alocação de somas oficiais e à definição de escalas e modalidades de incentivo oficial ao setor, e ferrenhos defensores de esquemas clientelistas de captura de verbas públicas para a cultura.
A natureza demasiadamente agregada das pretensões econômicas do executivo reflete também a saída precoce, do time de Temer, do titular do planejamento, senador Romero Jucá, dada a insustentabilidade de manutenção no posto, depois do vazamento de conversas telefônicas com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, repletas de indicações de receios com os desdobramentos das investigações realizadas no âmbito da operação Lava Jato.
Logo, a comunicação mais tangível constituiu a exposição da já referida revisão da meta fiscal para 2016, aprovada no dia seguinte pelo Congresso, configurando déficit de –R$ 170,5 bilhões, ante –R$ 96,7 bilhões, expressos pela gestão Dilma, e que propicia não apenas o escape das armadilhadas, ou tentações, representadas pelas pedaladas, mas, principalmente, condições para abrandamento do panorama recessivo via desaceleração das maldades fiscais, em um ano de rearranjos acoplados às eleições municipais.
A ampliação do tamanho do rombo das contas públicas para 2016 consubstancia uma espécie de acomodação do estágio de partida, com a preservação dos fluxos de dispêndios já programados, englobando a derrubada dos contingenciamentos de R$ 21,2 bilhões e a não inclusão de fontes de arrecadação incertas, para a adoção de um garrote fiscal, efetivo e radical, de 2017 em diante.
Até porque, um esforço de interpretação dos recados transmitidos pelo presidente, e autoridades econômicas, permite supor o delineamento de drástica modificação do curso dos dispêndios públicos, por meio de emenda constitucional que, se aprovada por 3/5 do Congresso Nacional, deverá instituir critério (ou restrição legal, teto) para expansão não superior à variação de preços do exercício antecedente, sem indexação automática.
Tal iniciativa denota não apenas a inexistência de acréscimo real de despesas, mas a possibilidade de incrementos inferiores à inflação. É interessante lembrar que a variação real dos gastos públicos primários no Brasil foi o dobro da evolução do PIB, nas últimas duas décadas.
A aplicação da regra, que pode significar compressão gradual da dimensão do estado, praticamente anularia a rigidez contida em rubricas obrigatórias – como saúde e educação, carimbadas com participações fixas na arrecadação, subindo nas etapas ascendentes do circuito econômico, sem recuar nas fases cadentes da receita tributária -, oportunizando a desvinculação de aproximadamente 30% das receitas orçamentárias.
No caso da previdência social, a proposta a ser defendida por ocasião das negociações da reforma, inclusive com os movimentos sindicais, será a desvinculação do piso das aposentadorias, pensões e outros benefícios, do salário mínimo (SM). O mínimo é atualizado pela incorporação da inflação acumulada em doze meses, mensurada pelo índice nacional de preços ao consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acrescida da variação do PIB de dois anos antes, calculado pelas Contas Nacionais Trimestrais, igualmente do IBGE.
Outro mecanismo de contração de despesas futuras, ainda subordinado à avaliação jurídica, por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), para verificação de pertinência à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), diz respeito à antecipação da devolução de parte (R$ 100,0 bilhões) dos R$ 480,0 bilhões transferidos pelo Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no último quinquênio, aliviando cerca de R$ 7,0 bilhões da conta de subsídios. Adicionalmente, o arsenal de proposições definiu a extinção do fundo soberano, criado para absorver recursos do pré-sal, estimado em R$ 2,0 bilhões.
No entanto, no afã de assegurar demasiada objetividade no lançamento das iniciativas, o staff econômico de Temer assumiu uma postura absolutamente omissa quanto à premência de outras ações de caráter estrutural, dirigidas à compressão de custos e elevação da eficiência macro e microeconômica da nação, como o encaminhamento de negociações das reforma tributária e financeira e de um novo pacto federativo.
No que se refere ao aspecto tributário, é pouco provável que os homens do presidente considerem adequado o funcionamento de um aparelho de negócios apoiado em carga de 33% do PIB – amparada no perfil regressivo de impostos indiretos, incidentes sobre consumo e produção -, diante de capacidade de suporte da sociedade de aproximadamente 25% do PIB.
No quesito financeiro, a equipe econômica também não deve se conformar com a enorme distância entre os elevados juros primários (Selic), de 14,25% ao ano, e as taxas médias cobradas de pessoas físicas, no cheque especial e cartão de crédito, chegaram, em abril de 2016, a 308,7% a.a. e 448,6% a.a., respectivamente, conforme o Banco Central. Não precisa ser um arguto economista para constatar que o declínio dos juros no Brasil requer ajuste fiscal, como bloqueio à subida da dívida pública, e aprofundamento da concorrência interbancária.
Quanto ao embaraço federativo, não bastam tratativas para a criação de margens fiscais que favoreçam o alongamento dos prazos das dívidas dos estados, com carência de parte expressiva dos encargos por dois anos, em troca de hercúleos esforços de compressão de gastos das instâncias regionais. É preciso estabelecer sintonia fina entre o debate federativo e as sugestões de modificações no arcabouço tributário, por meio do redesenho das receitas e atribuições entre os entes envolvidos e, sobretudo, a reforma do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS).
A gestão Temer dispõe de exíguo tempo para a produção de meios de tratamento das contas governamentais objetivando o encaixe do estado dentro do orçamento, o que torna imprescindível o reequilíbrio de caixa, a contenção potencial dos gastos, o reexame de ações obsoletas e a multiplicação de eficiência. Isso exigirá firme capacidade de desinterdição dos debates, com articulação e negociação do novo núcleo do palácio do planalto com um legislativo enfraquecido, em credibilidade e legitimidade, pelo envolvimento generalizado em falcatruas com haveres das peças orçamentárias e das estatais.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, Economista, Consultor, Professor da FAE Business School, Ex-Presidente do IPARDES.